A Lei de Cotas de Tela e sua importância para o cinema nacional

Nos últimos anos, a indústria cinematográfica brasileira sofreu um grande impacto, em termos de seu alcance no mercado exibidor interno. Isso se deu, principalmente, devido a pandemia da Covid-19, que estagnou as suas produções, e o fato da vigência da lei de cotas de tela original ter terminado em 2021. No entanto, dois fatores podem voltar à impulsionar este setor: A Lei 14.814, sancionada em 20 de junho deste ano, a qual obriga a exibição de filmes brasileiros em salas de cinema até 2033; E um investimento de R$2,4 bilhões no setor audiovisual, anunciado pela Ancine e o Ministério da Cultura, através do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e das Leis de Incentivo, também em junho deste ano.

Para ter um contexto com relação à falta de protagonismo que produções nacionais possuem, de acordo com dados do Informe Anual do Mercado Cinematográfico de 2023, produzido pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) em parceria com o Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA), em 2022, a taxa de ocupação de filmes brasileiros no mercado exibidor foi de apenas 1,8%.

E, além disso, de acordo com o mesmo informe, das quase 95 milhões de pessoas que foram ao cinema no Brasil em 2022, apenas 4 milhões foram assistir filmes brasileiros. Ainda de acordo com a Ancine, entre 1970 e 2023, apenas cinco produções nacionais conseguiram ultrapassar a marca de 10 milhões de espectadores: Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), Tropa de Elite 2 (2010), Os Dez Mandamentos - O Filme (2016), Nada a Perder (2018) e Minha Mãe é Uma Peça 3 (2019).

De acordo com o jornalista e crítico de cinema Pedro Butcher, a importância da lei de cota de exibição pode ser vista quando se considera o “market share” do cinema americano, assim como é visto no gráfico abaixo. Ele ainda afirma que este domínio dos filmes hollywoodianos possui uma participação de mercado que varia entre 70% e pode chegar a 99% das salas de cinema nos tempos em que o cinema brasileiro está em crise, como no período da pandemia. “Então, a importância é isso, você garantir um mínimo de acesso à produções nacionais e um mínimo de possibilidade de retorno para os produtores brasileiros”, afirma o cinéfilo.

Além do fato de garantir uma porcentagem do mercado exibidor interno, a lei de cotas de tela, em conjunto com outras medidas destinadas a impulsionar o audiovisual, como o pacote de investimentos anunciado no meio de 2024, volta a estimular a produção de obras nacionais, como é o caso do filme “O Fim do Cinema” da 4U Films. Miguel Nagle, diretor da obra e fundador da produtora, conseguiu o investimento necessário para realizar o projeto através de um programa governamental.

Seu filme ficou a frente de outros 600 inscritos, conseguindo uma das 12 vagas destinadas para o investimento na produção de longa-metragem no estado do Rio de Janeiro. A partir disso, Nagle afirma que “uma das grandes dificuldades no Brasil é que, mesmo tendo diversos caminhos para conseguir os recursos necessários para realizar uma produção, todos eles são muito concorridos, fazendo com que, ao mesmo tempo, sejam poucos”.

Ainda de acordo com Miguel, essa série de medidas transforma o cenário e a indústria nacional, gerando muito mais conteúdo “original” para ser realizado. Ele ainda destaca que a importância desta cota vai além de um ponto de vista de mercado. “Quando você está protegendo o cinema, você também está protegendo a cultura brasileira, porque só quem conta as nossas histórias somos nós. Então é a importância de proteger a nossa cultura, a nossa história, para que as próximas gerações assistam essas histórias que só nós podemos contar”.

Set do filme “O Fim do Cinema”                                                            Foto: Vitor Miguel

Já de acordo com o cineasta Cavi Borges, fundador da produtora e distribuidora Cavídeo, apesar de serem uma ajuda, apenas ações como a lei de Cotas de Tela e o pacote de investimentos não são suficientes, necessitando de uma série de medidas para haver uma evolução e desenvolvimento da indústria. “Precisa, por exemplo, baixar o preço do ingresso, precisa ter mais salas de cinemas, passando não só filme brasileiro, mas qualquer filme. A gente tem muito pouca sala. Para você ver, os Estados Unidos têm 30 mil salas, nós temos 3 mil. Então, isso é uma diferença”, completa o produtor.

Ainda com relação à lei, uma de suas principais questões é que ela aumenta a produtividade da indústria no geral, porque ela obriga que os players, seja de TV paga, que são os canais fechados, ou de cinema, que são os estúdios, não distribuam apenas filmes estrangeiros para o Brasil mas que também, caso queiram comercializar algo em solo brasileiro, eles precisam comercializar uma cota de filmes nacionais, fazendo com que esses players precisem contratar produtoras brasileiras para fazer projetos nacionais.

A partir disso, Luan Felipe da Silva,  Diretor de Governança e Controle Interno do Comitê Consultivo da Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo (Spcine), afirma que a lei pode gerar grande retorno para a própria indústria ao auxiliar produções nacionais a acessarem cada vez mais janelas.

Esse retorno se caracteriza em retorno financeiro que é aplicado em infraestrutura e formação de profissionais. E esse estímulo à formação de profissionais, junto com o desenvolvimento de boas práticas em sets de filmagem, o combate ao preconceito, a integração de grupos vulneráveis socialmente, o desenvolvimento para profissionalização dos membros da cadeia são medidas que podem ser realizadas em conjunto.
— Luan Felipe da Silva, Diretor de Governança e Controle Interno da Spcine

Miguel Nagle (à direita) durante as gravações de “O Fim do Cinema”  Foto: Vitor Miguel

As dificuldades trazidas demonstram o porque das medidas de incentivo ao audiovisual, como a lei de cotas de tela, são fundamentais para a indústria cinematográfica nacional. No entanto, também é possível entender que apenas as medidas atuais não são suficientes para desenvolver o cinema brasileiro a ponto que ele se torne autosustentável e garantir que ele alcance um nível elevado de competição com o cinema estrangeiro. A partir disso, no decorrer dos próximos meses, exploraremos os diversos aspectos dessa realidade e o que pode ser feito para mudar este cenário.

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Como esta lei funciona?