Como esta lei funciona?
Gravações do filme “O Fim do Cinema” Foto: Vitor Miguel
Na primeira matéria da série, se foi apresentado um panorama mais geral do impacto desta lei no mercado cinematográfico brasileiro. No entanto, para realmente entender a dimensão do mesmo, é preciso saber mais sobre as especificidades desta legislação. A partir disto, em comemoração ao Dia do Cinema Brasileiro de 2024, celebrado em 19 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no dia 20 de junho, a Lei nº 14.814, que regulamenta a exibição de filmes nacionais nos cinemas de todo o país. A nova legislação tornou obrigatório a reserva de um número mínimo de sessões para obras brasileiras, medida que estará em vigor até 31 de dezembro de 2033.
Essa lei substituiu e aprimorou a antiga Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, sancionada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, e que, durante 20 anos, estabeleceu incentivos importantes para o cinema nacional, como a criação da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o Conselho Superior do Cinema e a obrigatoriedade de uma cota mínima anual de filmes brasileiros nas salas de exibição. Contudo, com o fim da vigência desta MP em 2021, a sua revogação pelo governo Bolsonaro gerou mudanças que, na época, enfraqueceram significativamente o apoio à produção audiovisual nacional.
É a partir deste cenário que a produtora executiva Mariana Brasil, demonstra a instabilidade destas medidas protetivas. Além disso, ela destaca como, até hoje, o principal quesito com relação ao plano estatal de apoio ao cinema que precisa ser tratado é a falta de planejamento:
Voltando aos aspectos mais específicos da lei, sua principal novidade diz respeito ao número mínimo de exibição de filmes nacionais. Para cinemas com apenas uma sala, a cota mínima será de 7,5% do total das sessões dedicadas a filmes brasileiros. Já para grandes redes exibidoras, como a Cinemark, que detém cerca de 30% do mercado, com 634 salas, e a Kinoplex, com mais de 260 salas espalhadas pelo país, devem reservar 16% de sua agenda para a exibição de filmes brasileiros, com esta sendo a cota máxima para qualquer rede que administra 201 ou mais salas em todo o Brasil.
Outra inovação importante da mesma é o mecanismo de ajuste do percentual mínimo de sessões para filmes nacionais quando um título, brasileiro ou estrangeiro, ocupe um espaço excessivo na programação. Para entender melhor, imagine um final de semana de estreia de um blockbuster da Disney, onde quase todas as salas de um cinema estão ocupadas por este filme. O percentual de sessões obrigatórias para filmes nacionais será ampliado para garantir que não haja uma dominação absoluta das telas por essa única produção, protegendo assim o espaço para o cinema brasileiro. Sendo com base nisso que Leonardo Edde, presidente da RioFilme, caracteriza a importância desta legislação:
Apesar disso, uma crítica à legislação é baseada no argumento de que a medida interferiria na lógica de livre mercado ao, supostamente, obrigar o público a assistir a filmes pelos quais não tem interesse. No entanto, a realidade tem demonstrado o contrário. Exemplos disso são filmes como “Aquaman 2” e “As Marvels”, ambos lançados em 2023, antes da nova Lei de Cotas de Tela entrar em vigor, que, mesmo dominando as salas de cinema em seus lançamentos, registraram diversas sessões com público baixo.
Isso evidencia que a quantidade de salas dedicadas a um filme nem sempre corresponde à sua qualidade ou à demanda do público, mas sim ao poder de investimento das grandes distribuidoras. Nesse contexto, a regulamentação da cota de tela se mostra ainda mais essencial para equilibrar o acesso e valorizar a produção cultural brasileira.
É a partir deste enquadramento que Cavi Borges, administrador da Estação Net Rio, destaca como, em seu aspecto mais básico, a Lei de Cotas de Tela funciona como uma medida protetiva para o cinema brasileiro. Além disso, ele ressalta como este tipo de salvaguarda ocorre em diversas outras áreas do âmbito econômico nacional, levantando a questão de “se essas medidas de proteção existem em todas as áreas comerciais, por que não no cinema?”:
Considerando esses fatores, é válido dizer que a Lei nº 14.814 vai além de um simples percentual de sessões. Atuando não só como um mecanismo de proteção, como, também, uma forma de assegurar a visibilidade de produções nacionais. O que disponibiliza um meio de representatividade da cultura brasileira nas telas de cinema do país e, consequentemente, fortalece a indústria cinematográfica como um todo.