Esta lei é suficiente? Quais outras medidas devem ser tomadas em conjunto?
Monitor no set de gravações do filme “O Fim do Cinema” Foto: Vitor Miguel
Com base no que foi visto até aqui, é possível considerar a Lei de Cotas de Tela como uma ferramenta essencial para a proteção e fortalecimento da indústria cinematográfica nacional, ao garantir que uma porcentagem mínima das sessões nas salas de cinema brasileiras seja dedicada exclusivamente a filmes nacionais. Apesar disso, é preciso questionar se apenas a promulgação dessa lei é suficiente para impulsionar de forma efetiva este setor.
Além disso, para entender melhor o impacto dessa legislação, é importante observar os dados de 2023, ano em que a cota de tela ainda não estava em vigor. Naquele período, segundo o informe anual sobre o mercado cinematográfico da Ancine, os filmes brasileiros atraíram cerca de 3,7 milhões de espectadores aos cinemas, o que representou apenas 3,2% do público total. Esse número é 84,6% menor do que o registrado em 2019, último ano de vigência da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, antecessora da atual lei, que assegurava uma reserva mínima de exibição para produções nacionais.
Esses números evidenciam a relevância de políticas de proteção cultural como as cotas. Ainda assim, como aponta Leonardo Edde, presidente da RioFilme e ex-presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual (SICAV), a simples existência da cota não resolve os desafios estruturais do setor. Para que a indústria audiovisual brasileira se consolide, Edde afirma que é necessário investir em toda a cadeia produtiva, desde a formação de profissionais à distribuição, promovendo uma integração entre as etapas que compõem o processo de criação, circulação e exibição de obras audiovisuais.
Este mesmo ponto é levantado por Mari Brasil, fundadora da primeira firma brasileira voltada exclusivamente para o agenciamento de roteiristas. Entretanto, ela também expõe certos “gargalos” com os quais a indústria sofre, dando destaque ao baixo número de salas de cinema que existem no território nacional. Para se ter uma ideia, de acordo com dados da Ancine, divulgados em janeiro de 2025, existem 3.509 salas de cinema em funcionamento no país, sendo o equivalente a uma sala de cinema para cada 59 mil brasileiros. Em comparação, de acordo com o The Hollywood Reporter, em 2022, os Estados Unidos tinham 39,007 salas funcionando.
Já o Diretor de Governança e Controle Interno da SPCine, Luan Silva, destaca que, mesmo com esta lei possuindo uma importância como medida protetiva dos espaços exibidores, ela não influencia, diretamente, diversos outros aspectos da cadeia produtiva do cinema brasileiro: “O cinema é uma indústria com uma grande cadeia, que envolve formação, desenvolvimento de projetos, produção, pós-produção, distribuição, exibição, gestão pública, análise de dados e outras. A lei afeta, principalmente, a exibição. Atualmente, a indústria audiovisual brasileira não consegue competir com filmes de grande porte internacionais”.
Em adição à isso, há um aspecto técnico da lei que limita seu alcance prático. A legislação atual determina que cinemas com apenas uma sala exibam ao menos três filmes nacionais por ano. Em complexos com duas salas, o número sobe para quatro títulos, e assim sucessivamente, até chegar a 24 filmes em cinemas com 16 ou mais salas, sendo o UCI New York City Center, no Rio de Janeiro, o único cinema brasileiro com essa capacidade.
O problema é que essas metas são estabelecidas de forma anual, e não mensal. Isso permite que os exibidores concentrem os filmes brasileiros em períodos menos estratégicos ou em horários de baixa audiência. Como consequência, muitas produções independentes, especialmente aquelas com menor apelo comercial, acabam sendo marginalizadas na programação, enquanto os poucos títulos nacionais com maior potencial de bilheteria ocupam o espaço destinado à cota, sem ampliar de fato a diversidade de obras exibidas.
Além deste ponto falho, a cineasta Tânia Pinta traz um aspecto fundamental para o funcionamento da industria cinematográfica que se encontra em declínio, o fato das pessoas, no geral, estarem indo menos ao cinema. Em 2023, o total de público que frequentou as salas de exibição no país foi 36% menor do que em 2019, de acordo com a Agência Nacional de Cinema (ANCINE). Tânia traz como exemplos, iniciativas como a ”Semana do Cinema Brasileiro” e medidas governamentais como o programa "Cinema para Todos":
A partir do que se foi levantado, é possível determinar que esta lei, apesar de ser uma medida importante para a proteção dos espaços de exibição, não é suficiente para impulsionar a autossustentabilidade do cinema brasileiro. Sendo necessárias várias outras medidas, desde a criação de mais salas de cinema, até o desenvolvimento de políticas com o objetivo de motivar as pessoas a irem ao cinema.